O arranque do Reading foi “um choque”. José Gomes conta que dispensou 21 jogadores de um plantel de 40! Ajustou com 5 reforços e o resultados estão à vista: objectivo cumprido com absoluto êxito.
O que é foi mais difícil nesta aventura ?
Difícil foi todo o trajecto até conseguirmos a permanência, que aconteceu agora. Mas, no início foi um choque, não para nós, mas para os jogadores, porque tivemos de tomar uma medida, a primeira, que foi reduzir o plantel, que tinha cerca de 40 atletas. Em Janeiro, cortámos 14 e depois mais sete, para poder-nos reforçar com cinco cedidos. A Direcção entendeu e apoiou, mas os jogadores apanharam um susto.
Como é que se processou o conhecimento dos jogadores para tomar essas decisões ?
Vimos muitos vídeos com jogos da equipa. Claro que não conhecíamos a mentalidade dos jogadores, nem tão-pouco conhecíamos a influência no grupo, até porque não tínhamos elementos da equipa técnica anterior.Não tivemos ajudas nenhumas. Servimo-nos da observação possível, inteligência e perspicácia.
E que outras dificuldades tiveram de encontrar ?
Bem, o número de jogos é realmente intenso. Chegámos a 22 de Dezembro e apanhámos logo o Boxing Day e o Ano Novo. Fizemos oito treinos e quatro jogos, num curto espaço de tempo. Este campeonato tem realmente uma intensidade incrível e tem muitos momentos desses, com grande intensidade competitiva.
E os jogadores apanharam bem as vossas ideias ?
Felizmente, hoje posso dizer que sim. Eles diziam que estavam cansados em determinado tipo de jogo. Aqui joga-se muito o jogo directo, nos livres longos há jogadores fortes com missão específica de provocar o contacto, o guarda-redes vai até ao meio-campo para bater os livres. Há 10/12 equipas que fazem isso.
E a sua equipa faz isso ?
Não. Os jogadores assimilarem bem as ideias, gostaram de passar a sair com bola, em vez dos lançamentos longos, a jogar bem, e felizmente as ideias resultaram.
É uma segunda liga muito competitiva…
Em muitos aspectos, ultrapassa a I Liga portuguesa, a começar pelo ambiente nos jogos. Estão sempre muitos adeptos. O nosso estádio leva pouco mais de 20 mil, mas jogámos em estádios com 34 mil e sempre cheios. Esse ambiente, naturalmente, acaba por influenciar o rendimento dos jogadores, é um emoção que os empurra para grandes jogos até ao último minuto. Nos jogos fora de casa, temos entre mil e 3000 adeptos, nunca menos.
Quando é que pôde dizer com certeza que ia acontecer o objectivo da permanência ?
No início de Março, vencemos dois jogos consecutivos, o que não acontecia no clube há dois anos, e aí deu para perceber que a equipa estava no caminho certo e que o objectivo não ia fugir.
Vai continuar no Reading ?
Sim, tenho mais um ano de contrato.
E já determinou o objectivo ?
Depende do fair-play financeiro a que o clube está sujeito. Se conseguirmos ficar livres, podemos apostar numa equipa para subir de divisão. Caso contrário, é ganhar o maior número possível de jogos.
Nunca poderei esquecer o Rio Ave
José Gomes diz que nunca teve dúvidas que o Rio Ave iria conseguir a permanência até com alguma tranquilidade e deixa elogios à estrutura do clube de Vila do Conde, que não esquece.
Depois de oito anos no estrangeiro, repartidos entre Grécia, Hungria, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, José Gomes voltou a Portugal, para o Rio Ave: “Foi um projecto muito bonito, uma excelente experiência profissional que não vou esquecer nunca. Também não posso esquecer que é graças ao Rio Ave que estou aqui. E tenho de ser muito grato ao clube.
José Gomes considera que no Rio Ave “foi feito um trabalho de raiz, deram-nos excelentes condições, e, contra os prognósticos de muitos, a equipa surgiu a jogar bem e a deixar uma marca de qualidade em campo.
Não há como esconder: José Gomes está a cumprir um sonho: “Desde há muito tempo que sonhava ser treinador em Inglaterra, acho que é uma ambição de qualquer treinador. As minhas expectativas não saíram defraudadas, porque este é mesmo o país do futebol”.
Apesar de tanta satisfação, José Gomes não diria não a um regresso a Portugal: “Não está nos meus planos, mas nunca se pode dizer nunca. O meu regresso ao campeonato português foi muito bom. E acredite, gostei imenso de ter voltado. Portanto, um regresso não se pode pôr de lado, mas, repito, não é esse, neste momento, o meu plano”.
O treinador não considera que tenha deixado órfão o Rio Ave quando o deixou em Dezembro. O clube só agora assegurou a permanência, mas há uma explicação: “Um dos segredos do bom trabalho que fizemos no Rio Ave foi a qualidade dos jogadores. Quando há uma mudança, é natural que demore tempo até tudo a voltar ao normal. E tenho a certeza que a estrutura do Rio Ave trabalhou muito bem, como de costume. Nunca tive dúvidas de que ia alcançar a permanência”, afirma, manifestando em todo o caso alguma surpresa pelo empate com o FC Porto: “De alguma maneira foi uma surpresa. O FC Porto entrou no jogo a ganhar e revelou depois fragilidades que não estamos habituados a ver. Mas o campeonato ainda não acabou.
Uma ferramenta desperdiçada
A conversa com José Gomes centrava-se no jogo entre o Rio Ave e FC Porto (texto de cima) e foi o treinador que engatou outro tema que está muito em voga: o VAR. Antes, porém, falou de Sérgio Conceição. “Ninguém se pode esquecer do que ele fez na última época. Não comprou ninguém e fez uma equipa campeã, um trabalho notável. Todos sabemos por vezes que o futebol é ingrato, mas espero que não sejam ingratos com ele…”A seguir entrou pelo VAR adentro: “O futebol português tem uma ferramenta excepcional que está ao serviço da arbitragem, que é o VAR, e que está a ser trucidada por quem a usa”. Uma pequena pausa e novo ataque… “Podemos admitir o erro do árbitro. É humano, tem de decidir numa fracção de segundos, pode naturalmente errar. Mas um indivíduo que está sentado numa cadeira, a ver o mesmo lance que nós, e por vezes a decidir mal, isso é inadmissível e naturalmente aborrece. Acompanho o futebol português, como não poderia deixar de ser, e admiro-me como isto é possível, como se desperdiça uma ferramenta como o VAR, que pode ajudar à verdade desportiva. Já sei que vão fazer um balanço e dizer que o VAR corrigiu não sei quantas decisões a bem da verdade desportiva, mas e as que não corrigiu?”
Saudades de um bom peixinho
Natural de Matosinhos, José Gomes adora um bom peixe, é mesmo o alimento favorito do treinador. Em Inglaterra, não foi fácil de início encontrar um sítio para matar saudade de um peixe. Encontrou há pouco tempo um restaurante português, dirigido por algarvios, o Square Henley, não muito longe de Reading, onde consegue comer “à portuguesa”. De resto, adapta-se bem, até porque ser emigrante não é novidade nenhuma para José Gomes. Quando aceitou o convite do Reading, “a camisola de emigrante ainda estava quente”, diz entre sorrisos.
Reading cidade simpática
Reading é uma cidade simpática entre Oxford e Londres (a 65 Km da capital inglesa) e hoje é sede de muitas empresas multinacionais. José Gomes já conhece bem a cidade, “é acolhedora e as pessoas são muito simpáticas. Desde o início que José Gomes e a sua equipa técnica procuraram casa no centro. “É bom porque assim conhecemos melhor as pessoas, convivemos com elas, passamos no fundo a ser uma delas. Quando vamos para um lugar que nos é estranho, a primeira coisa a fazer é conhecê-lo bem, para melhor compreender as pessoas.
Dia de Portugal no Estádio do Reading
Hoje é Dia de Portugal no Madjeski Stadium, o Estádio do Reading. O clube decidiu homenagear José Gomes pelo bom trabalho e pediu aos adeptos para levar para o jogo com o Birmingham motivos portugueses (bandeiras, camisolas, cachecóis). “Não é muito normal isso acontecer, mas é uma atitude que me deixa sensibilizado e que agradeço, mas também aumenta a minha responsabilidade, porque já não é minha cara de que está em causa, é o país que represento. E isso deixa-me orgulhoso”, disse José Gomes, preparado para um dia “muito especial”.
*Por Carlos Pereira Santos, jornalista de O Jogo