José Gomes foi um dos convidados da União dos Treinadores de Futebol dos Países Lusófonos para participar no debate “Futebol em Português”, no painel moderado por Luís Vilar, e com as presenças dos treinadores Lito Vidigal e de Luís Jardim.
O líder técnico do Marítimo salientou adaptação dos treinadores portugueses a outros países, concordando com o testemunho de Lito Vidigal: “É a capacidade que o treinador português tem de se adaptar, de aproveitar os recursos que tem, de ajudar toda a gente à volta da equipa e do clube, enquanto os holandeses e os alemães sentem muitas dificuldades nesta adaptação. O treinador português deu um salto, o que vai dar que o possam seguir nos países lusófonos, porque estamos no topo do que de melhor há no mundo, e há provas do Leonardo e o Lito também teve experiências internacionais. Tem havido demonstrações de grande sucesso, de capacidade e melhoria pelos clubes por onde passaram”.
A diferença entre o futebol de rua e das academias foi um assunto discutido neste forum com transmissão online: “Há uma ligeira vantagem que pode ser muita, ou atenuada, dependendo das circunstâncias que são diferentes em Portugal. Que é a liberdade, normalmente, dos brasileiros e dos africanos, dos países lusófonos, em contraponto com que está a acontecer em Portugal: há academias de excelente qualidade, treinadores com excelentes trabalhos, mas nada podem fazer perante o facto de a rua ter deixado ser, nos últimos anos, um espaço de excelência para a prática do futebol”, referiu José Gomes, concluindo que, neste contexto, os clubes acabam por contratar brasileiros e africanos.
Experiências diferentes entre treinadores
José Gomes reconheceu diferenças existentes entre os treinadores que assumem funções, depois da experiência como jogadores de alto nível, e entre aqueles com um histórico modesto como futebolistas e que optam mais pela via académica. O exemplo com adjunto de António Jesus, no Paços de Ferreira, foi utilizado para ilustrar a sua posição: “Em 95, quando entrei no futebol profissional, após treinar na Distrital, o já falecido António Jesus era o treinador do Paços Ferreira e que, mais uma vez, lhe agradeço pela forma como recebeu, porque senão tudo podia ter sido diferente. Ao fim de uma semana, ele perguntou-se se queria ser treinador de futebol. Respondi-lhe ‘quero mas tenho a consciência de que preciso de aprender, de viver esta realidade profissional e acho que preciso de dez anos’. Curiosamente, passaram dez anos quando surgiu o convite para abraçar a missão de treinador principal no Paços de Ferreira, depois de ter estado dois anos no Benfica, com o Toni, Jesualdo e o Camacho. Quando cheguei à I Divisão, pensei que o Paços de Ferreira ia ser a equipa-sensação. Não tive nenhum problema na relação com o jogador, na escolha dos exercícios, mas percebi que tinha de mudar muitas coisas: a importância dos agentes desportivos, os jornalistas e as intervenções dos directores. Aprendi no sofrimento, luta e confronto aquilo que está ligado ao futebol profissional”.
A falta da estrutura do FC Porto na Grécia
José Gomes sublinhou mais um exemplo para mostrar a importância das regras numa equipa de futebol: “Há regras, das quais não abdicamos e, mesmo que não sejam claramente impostas, criamos um cenário em que as quais sejam trazidas, até pelos jogadores, fazendo uma lista de regras simples, desde refeições, e respectivos horários e comportamentos, até aos horários de chegada. Todos nós fazemos e se não forem claras, podem deixar grãos de areia na engrenagem da liderança. Quando cheguei ao Panathinaikos com Jesualdo Ferreira, em 2012, tinha vindo do FC Porto com uma estrutura fortíssima, retirava quase todos os problemas e deixava que só tivéssemos decisões técnicas e escolhas de jogadores. Num treino do Panathinaikos, só o treinador, staff português e jogadores falaram no centro do relvado, e, quando chegámos às instalações, já estava quase ‘ipsis verbis’ num site de um jornal desportivo grego aquilo que tínhamos falado talvez 40 minutos antes. Não podemos deixar que isto seja um problema – e isto é permanente: o protagonismo dos jogadores, informação, contra-informação, as namoradas, as revistas cor-de-rosa e uma panóplia de problemas – , temos de ser imunes e preocuparmo-nos em colocar a nossa energia naquilo que é importante, a não ser que isso interfira com a equipa, com a identidade do clube e de alguma forma desrespeite as regras de comunicação do clube. Da mesma forma que queremos que os jogadores sejam parte da solução, convém que os jogadores sintam que são parte da formulação das regras.
O atraso de Azazi
José Gomes recordou, para fechar o debate, e para ilustrar as diferenças entre o futebol de vários países, o atraso de Azazi quando a equipa ia voar para defrontar o Al-Hilal: “O ‘team manager’ disse-me que ele tinha sofrido um pequeno acidente, mas estava tudo bem e que ele ia ter connosco ao aeroporto. Eram, 7.35 horas, tomámos o pequeno-almoço e fomos para o aeroporto. Perguntei por ele, disseram-me que já estava a estacionar e disse para esperarem quando estavam a fechar a porta de embarque. Entretanto, fecharam e Azazi ‘nada’. Depois, o ‘team manager’ disse-me a verdade, explicando que ele tinha adormecido e que ia de carro, para chegar quase ao mesmo tempo ao hotel. A intenção não era mentir-me, mas era para não me preocupar porque ele ia chegar ao aeroporto, e que essa intenção estava acima do que ele me disse”, concluiu José Gomes, entre sorrisos.
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